"Ideias Solidárias" foi o conto escrito pela Diana Barreto para o concurso "Um conto que contas". Soubemos hoje que não foi premiado, contudo é um conto extraordinário que poderia servir de inspiração a muitas pessoas para que tivessem mais ideias solidárias.
Apreciem....
Ideias Solidárias
O senhor Jacinto é um homem possuidor de conhecimentos
matemáticos, casas no Havai e noutras terras paradisíacas, quadros de valor de
zeros extensos, dezenas de terrenos recém-comprados à espera de serem passados
a pente fino e esmagados com edifícios de grande porte onde espera obter sempre
valores elevados ao quadrado, animais exóticos de estimação, locais de trabalho
com escritórios de área equivalente a uma sala de estar, uma residência numa
das mais ricas cidades do mundo, com mordomos, cozinheiros e criados de alta
classe, vestidos a rigor a circularem pelos infinitos corredores e dormitórios
existentes no seu palacete.
Normalmente veste roupas alegres: um casaco com um padrão de
triângulos com botões quadrados, uma camisa branca com círculos cujo perímetro
ultrapassa os padrões normais, retângulos, triângulos e quadrados coloridos,
calças divididas igualmente por três tecidos, sapatos de veludo e uma cartola
com um cilindro perfeitinho no topo com uma fita vermelha e duas penas
geometricamente iguais, colocadas em simetria.
Um dia, a neve formava um manto sobre as ruas, um frio glacial
pairava no ar e já milhares de andorinhas tinham migrado para sul ou para
outras partes do mundo onde havia mais calor. E como pelas janelas do seu escritório
só se via o fumo das fábricas a subir e a rasgar o céu, era como se fosse um
dia caloroso de verão, ao contrário do que ocorria no lado de fora do espaço
onde se encontrava.
Jacinto fez uma pausa no seu trabalho e, vá lá saber-se a
razão, lançou um olhar minucioso sobre a paisagem que vislumbrava para lá das
vidraças do seu escritório. Começou por tentar decifrar a branca neve sobre as
fábricas, de seguida espreitou melhor pelos vitrais coloridos da única janela
do seu escritório e reparou num senhor curvado a olhar tristemente para o
camião do lixo que se afastava com a sua única fonte de sobrevivência, a uma
velocidade inversa ao seu peso.
Por breves minutos, o senhor Jacinto ficou a olhar com
ternura para o pobre senhor. Voltou a sentar-se no seu cadeirão forrado com
talha dourada de ouro vindo do Brasil. Pegou no lápis e mirou o seu
escritório…sentiu-se inquieto…levantou-se novamente… angustiado voltou a olhar
para o mundo além da sua vidraça…ao longe, viu o vulto do pobre homem que se
arrastava como quem puxa uma carga superior ao seu peso…ficou a vê-lo
desaparecer no horizonte. Naquele dia, o espaço circundante do seu escritório
tinha sido visto com outro olhar.
De repente, pareceu ter passado um furacão pela sua cabeça.
Todos os pensamentos apontavam para o miserável senhor diante de si. Quando
tudo acalmou disse para os seus botões:
- Olhando bem, nesta cidade há muitos pobres e desempregados!
Pessoas deitadas no chão com bom coração, pessoas sem poder comer ou beber para
com saúde viver, pessoas sem casa para morar e dignamente viver sem sofrer,
enquanto eu de braços caídos vivo numa casa de luxo! Tenho de fazer qualquer coisa…tem
de haver uma forma de ajudar!
Após este pensamento, levantou-se e voltou à janela, quando
um cartaz encarnado lhe piscou o olho. Atrás do cartaz estava um terreno à
espera de ser comprado. Não sabia bem porquê, mas começou a achar que podia
fazer algo em relação aos pedintes se comprasse o terreno. Mas outro pensamento
lhe surgiu: comprar e construir O QUÊ?
Começou a tentar
obter um valor aproximado da área do terreno e rabiscou, numa folha, uma casa
muito direitinha, usando régua e esquadro para fazer linhas paralelas e
perpendiculares.
Quando deu por si já era de noite e, no céu, uma lua
brilhante aparecera. Era hora de regressar a casa, ou melhor, ao seu palacete,
no seu automóvel topo gama. Antes de entrar em casa, respirou fundo para sentir
o ar fresco que a neve trazia e foi quando teve uma ideia. Entrou em casa,
pegou na sua agenda, folheou-a e, numa página em branco, escreveu uma única
palavra: escola.
No dia seguinte, quando o despertador tocou, Jacinto
levantou-se com uma energia inexplicável. Sentia-se com o dobro do stresse que
somava com o triplo da pena daquele coitado que vira no dia anterior.
Apetecia-lhe ir a uma escola falar daquele senhor e dos seus problemas. Ligou,
então, ao seu amigo Joaquim, diretor da Escola Euclides. Numa breve explicação,
apresentou o seu interesse em ir a uma escola conseguindo, de imediato, a
marcação de um dia para se encontrar com uma turma do ensino secundário.
Na data combinada, a caminho da escola, os seus pensamentos
sobre o assunto a abordar cruzavam-se com as observações que ia fazendo: as
linhas que dividiam a estrada ao meio, um semáforo que tinha um círculo de raio
menor do que os outros, o pavimento dos passeios com motivos geométricos
contruídos em isometria com pedra branca e preta. De facto, a matemática está
presente no nosso dia a dia…
Foi esta constatação que serviu de início à conversa com os
alunos da turma selecionada, levando-os a refletir sobre a importância de
observarmos com atenção tudo o que nos rodeia, pois tinha sido assim que ele
ficara a conhecer as dificuldades diárias de algumas pessoas. Disse, também,
que para se ser cidadão ativo, não basta observar, é preciso ser empreendedor e
solidário. Como era aula de matemática fez um pequeno jogo. Usou as sequências
para explicar como era importante encontrar uma sequência para contar o
dinheiro, exemplificando com a famosa sequência de Fibonacci, para não estarem
a contar as notas e moedas uma a uma.
Entretanto, um aluno, o Edgar, sugeriu: envolver todas as
turmas da escola. Surgia, assim, o projeto “Ideias Solidárias”.
Mais tarde, quando já tinha passado 90% da aula, a Cátia
levantou o braço e perguntou ao Senhor Jacinto se poderia ficar mais tempo na
escola. Jacinto, respondeu afirmativamente, dizendo que até podia voltar no dia
seguinte. A dois minutos do final da aula, o senhor Jacinto ouviu a sugestão do
Vasco: podemos fazer um cartaz para divulgar o projeto.
Durante o intervalo, a turma rodeou o senhor Jacinto, pois
todos queriam contribuir com as suas ideias solidárias.
Chegado a casa, o senhor Jacinto pegou no telefone e
concretizou a compra do terreno. Os primeiros passos estavam dados.
No dia seguinte, voltou à escola para ajudar a fazer os
cartazes, mas antes da concretização dessa tarefa transmitiu-lhes que tinha
comprado um terreno que podia ser utilizado para o projeto. Após ouvir algumas
sugestões, o senhor Jacinto lembrou que é importante criar abrigos, mas é,
igualmente, essencial reintegrar essas pessoas na sociedade. Para isso há que
investir na sua qualificação e dar-lhes a oportunidade de descobrirem ou
desenvolverem as suas capacidades e mostrarem do que são capazes.
Surgiu, então, a ideia para a ocupação do terreno: uma
oficina onde se transformaria lixo em arte, uma galeria de arte onde seriam
expostas as obras feitas na oficina e, ao seu lado, uma casa para viverem os
que dela necessitassem.
Satisfeito com a ideia empreendedora, o senhor Jacinto deu
início à obra. Enquanto os alicerces do edifício iam crescendo, o que levou
cerca da terça parte do tempo esperado, pois o senhor Jacinto pagou mais para o
aceleramento das obras, os alunos multiplicavam os seus contactos com artistas
plásticos, para dinamizarem a oficina, e com casas comerciais para oferecerem o
recheio da casa-abrigo. Por outro lado, alguns alunos constituíram uma equipa
de rua, apoiados por alguns professores e encarregados de educação, e
divulgaram junto dos sem-abrigo o projeto que estava em andamento.
Assim, passo a passo, chegou o dia da inauguração, em que a
Galeria de Arte foi aberta ao público já com obras de arte da autoria de um
grupo de pessoas que tinham sido tiradas da rua. Muitos foram os visitantes da
Galeria, sabendo que ao mesmo tempo estavam a contribuir para uma sociedade
mais justa. Mês a mês, o volume de vendas ia subindo e a verba semanal já ultrapassava
a média dos mil euros. Nunca é tarde para ajudar!...
Muitos parabéns, Diana!
Muitos parabéns, Diana!
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