De
regresso à tolerância
Estamos no ano 2026. As crianças iam à escola diariamente,
incluindo ao fim de semana.
A cada dia a transigência dos adultos
diminuía para o dobro do dia anterior, ou seja, os adultos começaram a exagerar
no poder que tinham sobre as crianças…os adultos estavam a enlouquecer…
Pelas ruas da cidade, vagueava Joaquim Pardal, um rapaz bem
constituído, sendo 50% do seu corpo músculo e, por isso, todas as miúdas o
admiravam. Apesar do seu ar desleixado, era atraente fisicamente, simpático,
inteligente e tolerante. A sua amizade com o Zé Torradas e o seu cão Shibi era
mantida sem condicionalismos.
Quem também girogirava pelas ruas da cidade, era o Zé
Torradas que era magro e vivia a 1Km do Joaquim. Normalmente vestia roupa azul
e azul eram, igualmente, os seus olhos. Apesar da vida não lhe ter sorrido,
irradiava simpatia, dava valor ao mais pequenino gesto de amor, amizade e
carinho.
Os nossos dois rapazinhos, como bons observadores, resolveram
fazer algo para contrariar a situação em que se vivia. Determinaram, então, ir
ao Templo das Dúvidas. Contudo, para o conseguirem, precisavam da ajuda de mais
alguém, pois era necessário passar por vários obstáculos e resolver vários
desafios. Depois de conversarem sobre o assunto, decidiram pedir a colaboração
dos amigos Barnabé, Ambrósio e Maria Pardal que aceitaram de imediato o
convite.
Então, o Joaquim Pardal decidiu treinar o raciocínio
matemático da equipa que tinha acabado de se constituir e perguntou:
- Quanto é 7-(-4)?
Como ninguém abria a boca e o Joaquim Pardal só ouvia o
barulho dos grilos, disse:
- Que tal darem alguma resposta!
Aí, o Barnabé, o Ambrósio e a Maria Pardal começaram a dizer
resultados aleatórios.
- E agora, o que podemos fazer? - sussurrou o Joaquim ao Zé.
O Zé pensou, pensou, pensou e teve uma ideia:
- Já sei! – virou-se para os outros e disse-lhes – alguém me
pode dizer quanto é 1-3?
Ninguém respondeu.
- Então e se pensarem assim: estão no 1º piso do Shopping. O
Shopping tem o piso 1, o piso 0 e mais 2 pisos para baixo que são para
estacionar os carros. Vão para o elevador e descem três pisos. Em que piso
ficam?
- No último piso! - respondeu o Ambrósio, sem hesitar:
- Não! Ficamos no piso -2! - ripostou a Maria!
Já o Barnabé respondeu:
- O que é um Shopping?!
- Acho que já estão preparados. - disse o Joaquim.
-Não tenho tanta certeza. Este “desafio” era uma forma de
perceber a sua capacidade matemática. É uma questão de lógica! - disse o Zé,
com ar descontraído - Mas o tempo não espera! Temos de partir!
Apressaram-se a ir para o Templo das Dúvidas, onde tinham de
passar pelo Labirinto das Portas. Quando chegaram ao Labirinto, encontraram dois
guardas. Pensaram em passar ao lado, mas o Zé reparou que o ângulo de visão dos
guardas os impedia de passarem despercebidos. Tinha de pensar noutra ideia,
portanto pediu sugestões:
- Entramos pelo esgoto! -disse o Ambrósio.
- Pelo esgoto!? Blhac! Que nojo! O melhor é escondermo-nos
atrás daqueles arbustos à medida que avançamos para a porta! - sugeriu a Maria.
-Vamos pegar em metralhadoras e matá-los a todos! - insinuou
o Barnabé.
-Vocês têm é de ver menos filmes do Missão Impossível - respondeu o Joaquim, percebendo que qualquer
uma das sugestões tinha menos de 25% de chance de dar certo - Vamos pedir,
delicadamente, para entrar!
Os guardas estavam equipados com duas lanças nas mãos, o que
os fazia muito assustadores. Vestiam roupas parecidas com as da Guarda Suíça.
Avançaram lentamente com o rabinho tefe-tefe de medo. Quando chegaram ao pé dos
guardas, de imediato lhes barraram o caminho com as lanças, dizendo:
-Ide
para a escola! Podeis perder-vos no labirinto!
Era verdade. Eles podiam perder-se no labirinto. Tinham de
arranjar uma forma de voltar ao princípio e de chegar ao fim. Então Joaquim
teve uma ideia. Assobiou e surgiu um lavrador amoroso. Era Shibi, o cão de Joaquim. Os guardas, com receio, pensaram muito bem
e deixaram-nos entrar. Shibi já
farejava a saída. Quando chegaram ao fim, vislumbraram o grande Templo das
Dúvidas. O Templo era semelhante a um templo grego de ordem dórica. Era
constituído por uma mesa posta com seis cadeiras. Também tinha um grande
frigorífico no lado esquerdo e um altar no centro. Uma Voz soou:
- Bem-vindos ao Templo das Dúvidas! Podeis colocar três
dúvidas!
A voz parecia vir do altar. Era grossa, mas cómica. Estavam
todos com os olhos colados no altar. O Shibi
era quem estava mais assustado! O Barnabé sem hesitar perguntou:
Há por aqui alguma pizza?
- No frigorífico! - respondeu a Voz.
- Mas quando é que tu te vais calar? - ralhou a Maria.
- Neste momento, ele já está calado. - respondeu novamente a Voz.
- Só mais uma dúvida!
-Calma, pessoal! - gritou o Zé - Não falem mais! Senhor da Voz,
eu só queria saber como podemos parar a intolerância dos adultos para com as
crianças!
- Vou demorar algum tempo a processar a resposta! - afirmou a
Voz - Enquanto o faço podem comer a tal pizza!
- Então é assim: - começou o Joaquim- vamos dividir a pizza em doze fatias e assim cada um
come duas fatias.
Todos concordaram menos o
Shibi que ganiu com um grande “Béu!”.
- Não te preocupes, Shibi!
Também estou a contar contigo! - afirmou o Joaquim.
Já tinham acabado de comer, quando, de repente, surgiram no
chão cinco camas e uma casota. O grupo percebeu que a Voz do Templo queria que
eles dormissem pois já era noite e ele ainda estava atarefado a processar a
resposta. Nunca tinham dormido com tanto luxo! No dia seguinte, o Ambrósio
acordou com um pequeno barulho que ecoava pelas paredes do templo: “CASA
BRANCA! CASA BRANCA”. Ele podia jurar que vira um vulto a fugir do templo.
Acordou os outros.
- O que é a “Casa Branca”? É uma casa branca? - interrogou o
Barnabé.
- Não! - replicou o Zé - A “Casa Branca” é residência do
Presidente dos Estados Unidos da América!
Depois de partirem, entraram num avião clandestinamente e
foram para Washington DC.
- Como pensam entrar na Casa Branca sem vos barrarem logo a entrada?
- perguntou a Maria - Somos crianças! Os adultos desta “era” não toleram
“criancices”.
- Eu tenho um plano! - disse o Joaquim determinado.
Ao longo do demorado percurso do aeroporto até à Casa Branca,
algo a que eles já estavam habituados, o Joaquim explicou o plano. De seguida, foi-se
embora com o Ambrósio, enquanto o Zé e a Maria foram na direção oposta. Já o
Barnabé sentou-se num banco com o Shibi
a comer uma sanduíche que tinha roubado de uma outra pessoa.
-Faz a tua parte! Vais conseguir! - afirmou o Zé enquanto
caminhava com a Maria.
Então, Maria acercou-se de um guarda e roubou-lhe o
distintivo.
Enquanto isso, o Barnabé acabava de comer a sanduíche e o Shibi rosnou. O Barnabé apercebeu-se de
quem passava. Não pode ser! - pensava, Não pode ser!
O Ambrósio e o Joaquim voltavam para junto dos amigos,
satisfeitos do sucesso da missão até àquele momento. O Zé e a Maria estavam
boquiabertos. Eles tinham roubado os walkie-talkies
dos polícias, comida e até uma grande quantidade de aparelhos eletrónicos.
- Para que é essa tecnologia toda? - perguntou o Zé.
- Nem vão acreditar! - respondeu o Joaquim.
A Maria pôs o distintivo nas calças meio rotas, pois um
décimo das vezes que tentara roubar alguma coisa o roubo tinha dado para o
torto. Dirigiu-se a um guarda que protegia a entrada da Casa Branca e disse-lhe
mostrando o distintivo:
- Boa-noite! Sou agente da polícia de Washington! Estou a
investigar uma ameaça ao Sr. Presidente! Deixe-me entrar!
- Ah! Ah! Ah! Que criança atrevida! Não a posso deixar
entrar! - respondeu o guarda, olhando-a desconfiado - É uma criança e nem
sequer tem roupa de polícia. Devia ir para a esc…
- Não vê que estou à paisana?! - gritou a Maria
interrompendo-o.
O guarda, farto de a tolerar, deixou-a entrar no edifício. Entrou
na grande casa com cinco mil e cem metros quadrados de área útil e vinte e um
metros de altura.
Noutra parte do edifício, o Joaquim ouviu um “Boa!” vindo do
seu walkie-talkie. Era a sua deixa.
- Agora! - gritou para o Ambrósio.
O Ambrósio clicou num botão e o inacreditável aconteceu: a
eletricidade foi abaixo num raio de dois quilómetros.
-Zé, tens trinta segundos para entrar na Casa Branca! - avisou
o Joaquim.
O Zé entrou pelo sistema de ventilação dentro da Casa Branca.
Seguidamente, a luzes acenderam-se.
- Se começarem a disparar aqui dentro tenho chances de
sobreviver? - questionou o Zé.
- Bem, - começou o Joaquim - com pistolas a 375m/s…
- E com o alcance de 50 metros! Sim, sim, eu sei! -
acrescentou o Zé.
De repente, viram o impossível: o mestre da sabedoria. Ele
era o sábio dos sábios. O único adulto que se opunha à intolerância dos
adultos. Ele, rezava a lenda, criara o Templo das Dúvidas, mas não o conseguira
controlar pois só as crianças têm esse poder. O grupo não sabia porque o
reconheciam, como se uma força mística os informara. De repente, uma voz ecoou nas
cabeças de todas as pessoas do mundo:
- Boa noite! Quem fala é o MESTRE DA SABEDORIA! Estou aqui
para vos comunicar o resultado da minha investigação! Deveis estar a perguntar:
“Aqui, onde? Qual investigação? Quem é o MESTRE DA SABEDORIA?” Essas perguntas
não interessam agora! Adultos, a vossa intolerância para com as crianças é
exagerada e ilimitada, apesar de terem sido as crianças as únicas culpadas,
deveis alterar o vosso comportamento! Vós, crianças, tivestes atitudes tão
inadequadas e desajustadas que os adultos perderam a paciência! É preciso mudar
os comportamentos! A partir de hoje, todas as crianças do mundo se vão portar de
forma respeitadora e cumpridora, assim como a intolerância se extinguirá!
E assim foi! A partir daquele momento, tudo mudou! Todos os 2
biliões de crianças do mundo começaram a portar-se 123 vezes melhor! Ninguém se
questionou sobre o dono daquela voz que lhes enviara tão bela mensagem, assim
como, também, não sabiam que esse tal mestre da sabedoria tinha adotado 5
crianças e 1 cão. E pior ainda, tinha de os tolerar.
Muitos parabéns, Rafael Raimundo e Rafael Vieira!
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