20.4.17

"Ideias Solidárias", um conto da autoria da Diana Barreto

"Ideias Solidárias" foi o conto escrito pela Diana Barreto para o concurso "Um conto que contas". Soubemos hoje que não foi premiado, contudo é um conto extraordinário que poderia servir de inspiração a muitas pessoas para que tivessem mais ideias solidárias.
Apreciem....

Ideias Solidárias

O senhor Jacinto é um homem possuidor de conhecimentos matemáticos, casas no Havai e noutras terras paradisíacas, quadros de valor de zeros extensos, dezenas de terrenos recém-comprados à espera de serem passados a pente fino e esmagados com edifícios de grande porte onde espera obter sempre valores elevados ao quadrado, animais exóticos de estimação, locais de trabalho com escritórios de área equivalente a uma sala de estar, uma residência numa das mais ricas cidades do mundo, com mordomos, cozinheiros e criados de alta classe, vestidos a rigor a circularem pelos infinitos corredores e dormitórios existentes no seu palacete.
Normalmente veste roupas alegres: um casaco com um padrão de triângulos com botões quadrados, uma camisa branca com círculos cujo perímetro ultrapassa os padrões normais, retângulos, triângulos e quadrados coloridos, calças divididas igualmente por três tecidos, sapatos de veludo e uma cartola com um cilindro perfeitinho no topo com uma fita vermelha e duas penas geometricamente iguais, colocadas em simetria.
Um dia, a neve formava um manto sobre as ruas, um frio glacial pairava no ar e já milhares de andorinhas tinham migrado para sul ou para outras partes do mundo onde havia mais calor. E como pelas janelas do seu escritório só se via o fumo das fábricas a subir e a rasgar o céu, era como se fosse um dia caloroso de verão, ao contrário do que ocorria no lado de fora do espaço onde se encontrava.
Jacinto fez uma pausa no seu trabalho e, vá lá saber-se a razão, lançou um olhar minucioso sobre a paisagem que vislumbrava para lá das vidraças do seu escritório. Começou por tentar decifrar a branca neve sobre as fábricas, de seguida espreitou melhor pelos vitrais coloridos da única janela do seu escritório e reparou num senhor curvado a olhar tristemente para o camião do lixo que se afastava com a sua única fonte de sobrevivência, a uma velocidade inversa ao seu peso.
Por breves minutos, o senhor Jacinto ficou a olhar com ternura para o pobre senhor. Voltou a sentar-se no seu cadeirão forrado com talha dourada de ouro vindo do Brasil. Pegou no lápis e mirou o seu escritório…sentiu-se inquieto…levantou-se novamente… angustiado voltou a olhar para o mundo além da sua vidraça…ao longe, viu o vulto do pobre homem que se arrastava como quem puxa uma carga superior ao seu peso…ficou a vê-lo desaparecer no horizonte. Naquele dia, o espaço circundante do seu escritório tinha sido visto com outro olhar.
De repente, pareceu ter passado um furacão pela sua cabeça. Todos os pensamentos apontavam para o miserável senhor diante de si. Quando tudo acalmou disse para os seus botões:
- Olhando bem, nesta cidade há muitos pobres e desempregados! Pessoas deitadas no chão com bom coração, pessoas sem poder comer ou beber para com saúde viver, pessoas sem casa para morar e dignamente viver sem sofrer, enquanto eu de braços caídos vivo numa casa de luxo! Tenho de fazer qualquer coisa…tem de haver uma forma de ajudar!
Após este pensamento, levantou-se e voltou à janela, quando um cartaz encarnado lhe piscou o olho. Atrás do cartaz estava um terreno à espera de ser comprado. Não sabia bem porquê, mas começou a achar que podia fazer algo em relação aos pedintes se comprasse o terreno. Mas outro pensamento lhe surgiu: comprar e construir O QUÊ?
   Começou a tentar obter um valor aproximado da área do terreno e rabiscou, numa folha, uma casa muito direitinha, usando régua e esquadro para fazer linhas paralelas e perpendiculares.
Quando deu por si já era de noite e, no céu, uma lua brilhante aparecera. Era hora de regressar a casa, ou melhor, ao seu palacete, no seu automóvel topo gama. Antes de entrar em casa, respirou fundo para sentir o ar fresco que a neve trazia e foi quando teve uma ideia. Entrou em casa, pegou na sua agenda, folheou-a e, numa página em branco, escreveu uma única palavra: escola.
No dia seguinte, quando o despertador tocou, Jacinto levantou-se com uma energia inexplicável. Sentia-se com o dobro do stresse que somava com o triplo da pena daquele coitado que vira no dia anterior. Apetecia-lhe ir a uma escola falar daquele senhor e dos seus problemas. Ligou, então, ao seu amigo Joaquim, diretor da Escola Euclides. Numa breve explicação, apresentou o seu interesse em ir a uma escola conseguindo, de imediato, a marcação de um dia para se encontrar com uma turma do ensino secundário.
Na data combinada, a caminho da escola, os seus pensamentos sobre o assunto a abordar cruzavam-se com as observações que ia fazendo: as linhas que dividiam a estrada ao meio, um semáforo que tinha um círculo de raio menor do que os outros, o pavimento dos passeios com motivos geométricos contruídos em isometria com pedra branca e preta. De facto, a matemática está presente no nosso dia a dia…
Foi esta constatação que serviu de início à conversa com os alunos da turma selecionada, levando-os a refletir sobre a importância de observarmos com atenção tudo o que nos rodeia, pois tinha sido assim que ele ficara a conhecer as dificuldades diárias de algumas pessoas. Disse, também, que para se ser cidadão ativo, não basta observar, é preciso ser empreendedor e solidário. Como era aula de matemática fez um pequeno jogo. Usou as sequências para explicar como era importante encontrar uma sequência para contar o dinheiro, exemplificando com a famosa sequência de Fibonacci, para não estarem a contar as notas e moedas uma a uma.
Entretanto, um aluno, o Edgar, sugeriu: envolver todas as turmas da escola. Surgia, assim, o projeto “Ideias Solidárias”.
Mais tarde, quando já tinha passado 90% da aula, a Cátia levantou o braço e perguntou ao Senhor Jacinto se poderia ficar mais tempo na escola. Jacinto, respondeu afirmativamente, dizendo que até podia voltar no dia seguinte. A dois minutos do final da aula, o senhor Jacinto ouviu a sugestão do Vasco: podemos fazer um cartaz para divulgar o projeto.
Durante o intervalo, a turma rodeou o senhor Jacinto, pois todos queriam contribuir com as suas ideias solidárias.
Chegado a casa, o senhor Jacinto pegou no telefone e concretizou a compra do terreno. Os primeiros passos estavam dados.
No dia seguinte, voltou à escola para ajudar a fazer os cartazes, mas antes da concretização dessa tarefa transmitiu-lhes que tinha comprado um terreno que podia ser utilizado para o projeto. Após ouvir algumas sugestões, o senhor Jacinto lembrou que é importante criar abrigos, mas é, igualmente, essencial reintegrar essas pessoas na sociedade. Para isso há que investir na sua qualificação e dar-lhes a oportunidade de descobrirem ou desenvolverem as suas capacidades e mostrarem do que são capazes.
Surgiu, então, a ideia para a ocupação do terreno: uma oficina onde se transformaria lixo em arte, uma galeria de arte onde seriam expostas as obras feitas na oficina e, ao seu lado, uma casa para viverem os que dela necessitassem.
Satisfeito com a ideia empreendedora, o senhor Jacinto deu início à obra. Enquanto os alicerces do edifício iam crescendo, o que levou cerca da terça parte do tempo esperado, pois o senhor Jacinto pagou mais para o aceleramento das obras, os alunos multiplicavam os seus contactos com artistas plásticos, para dinamizarem a oficina, e com casas comerciais para oferecerem o recheio da casa-abrigo. Por outro lado, alguns alunos constituíram uma equipa de rua, apoiados por alguns professores e encarregados de educação, e divulgaram junto dos sem-abrigo o projeto que estava em andamento.

Assim, passo a passo, chegou o dia da inauguração, em que a Galeria de Arte foi aberta ao público já com obras de arte da autoria de um grupo de pessoas que tinham sido tiradas da rua. Muitos foram os visitantes da Galeria, sabendo que ao mesmo tempo estavam a contribuir para uma sociedade mais justa. Mês a mês, o volume de vendas ia subindo e a verba semanal já ultrapassava a média dos mil euros. Nunca é tarde para ajudar!...

Muitos parabéns, Diana! 

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